Três livros mostram as muitas faces de Edimilson de Almeida Pereira
No antigo continente africano, especificamente nos países atuais do sul do continente até os da África subsaariana, os mensageiros oficiais e guardiões das antigas tradições eram os trovadores. Armados com agogôs e akotings, instrumentos semelhantes aos banjos, esses artistas dançavam e entoavam versos que narravam a história de seus ancestrais, transmitindo conhecimentos às gerações mais jovens.
Na Europa medieval, uma prática semelhante era comum no sul da França e no norte da Itália. Os jograis viajavam de vila em vila cantando canções populares ou versos sobre a cavalaria e o amor cortês. Já na Austrália, eram os músicos que desempenhavam essa função.
Mas e no Brasil? Quem cumpre – ou cumpriu – esse papel? Segundo Edimilson de Almeida Pereira, escritor e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), são os devotos do Congado. Em seu livro “A saliva da fala – Notas sobre a poética banto-católica no Brasil”, que foi reeditado pela Fósforo, Edimilson destaca o caráter universal do criador através das experiências locais que revelam trajetórias histórico-culturais específicas.
O autor ressalta que é possível considerar como poetas criativos tanto o devoto do Congado no Brasil quanto o trovador africano, o jogral medieval e o músico australiano. Em sua pesquisa sobre as culturas rurais em áreas isoladas de Minas Gerais realizada nos anos 80, Edimilson descobriu os cantopoemas produzidos por grupos de Congado e benzeção. Esses textos orais são discursos cantados elaborados pelos devotos para períodos específicos de celebração, mas também refletem suas experiências cotidianas e realidades vividas.
No entanto, apesar da riqueza desses cantopoemas em estilos e conteúdo, eles não foram considerados fontes para o diálogo e inspiração do repertório poético brasileiro. Isso ocorreu porque a literatura dominante durante o período colonial brasileiro estava centrada na escrita, enquanto esses poemas se baseiam na oralidade.
Edimilson propõe corrigir essa lacuna em sua obra “A saliva da fala…”, onde destaca as contribuições desses cantopoemas à poesia brasileira. Ele ressalta que seu interesse inicial era estudar o comportamento e organização das comunidades rurais isoladas de Minas Gerais, mas ficou intrigado com esses textos cantados.
É importante mencionar que durante o Brasil colonial, houve uma ênfase econômico-política ou ideológica atribuída à literatura escrita, fazendo com que essa forma predominasse em detrimento dos cantopoemas. O modelo dominante reconhecia apenas autores famosos circulando entre círculos letrados. Isso é muito diferente dos cantopoemas nos quais esse aspecto muitas vezes não está presente.
Dessa forma, ao explorar essas expressões poéticas únicas dos devotos do Congado em Minas Gerais, Edimilson busca valorizar as diversas formas de literatura brasileira que nem sempre recebem a devida atenção dentro do cenário literário tradicional.
| Países | Tradição dos Mensageiros |
|---|---|
| África (sul do continente até África subsaariana) | Trovadores – artistas que dançavam e entoavam versos sobre a história dos ancestrais |
| Europa medieval (sul da França e norte da Itália) | Jograis – viajavam cantando canções populares ou versos sobre cavalaria e amor cortês |
| Austrália | Músicos – desempenhavam função semelhante |
| Brasil | Devotos do Congado – produzem cantopoemas, discursos cantados que refletem experiências cotidianas e realidades vividas |
Com informações do site Estado de Minas.
